O ano era 1963, recém-chegado de Formiga (MG), Fernando Soraggi vinha para o Estado de São Paulo, mais precisamente para Mogi das Cruzes, com a ideia de estudar química. Na sua cabeça a natação ainda estava “fresca” e as memórias de campeão mineiro também. Porém, mal sabia ele, que seu destino iria fazer com que voltasse a brilhar nas piscinas, agora como técnico.
Depois de formado e trabalhando como chefe de laboratório, aos 23 anos, ele perdera a noiva em um trágico acidente. Diante disso, decidiu se dedicar a sua paixão antiga e cursar na cidade de Santos, a graduação de Educação Física. Ao mesmo tempo em que fazia a graduação na Universidade Metropolitana de Santos (o curso, no Estado de São Paulo, só era encontrado em Santos ou em Santo André meio período, pois a USP e São Carlos eram em período integral) ele começava a dar seus primeiros treinamentos no Clube Náutico Mogiano (durante dois anos, ele não cobrou nada pelas suas aulas). Ele treinou a equipe vitoriosa do Clube Náutico por 19 anos entre 1963 e 1982.
Sobre a época vitoriosa da natação de Mogi, Fernando lembra que a equipe foi pentacampeã dos Jogos Abertos, desbancando a potência da época, que era Santos. Além disso, a natação mogiana foi tetracampeã paulista.
Soraggi tem muito amor pela cidade de Mogi, na época dos Jogos Abertos foi chamado por clubes como Corinthians, Flamengo e chegou a ficar dois meses no Minas, mas retornou à cidade que o consagrou.Com os melhores atletas da modalidade na época, Fernando passou a ser reconhecido e a treinar a Seleção Brasileira de Natação.
Foram 12 anos à frente da Seleção, que fizeram com que o técnico conhecesse muitos lugares e ganhasse, cada vez mais, experiência. Ao todo, foram 14 sul-americanos, dois pan-americanos e dois Mundiais e duas Universiades ( Moscou e Sófia ) comandando nadadores de alto nível. Perguntado sobre a competição mais marcante, Fernando explicou que são várias no currículo, mas algumas como o Campeonato Mundial de 1973, na Iugoslávia, vão ficar marcadas.
“Ver a grande potencia da época, e até hoje, os Estados Unidos perderem pela primeira vez para a Alemanha Oriental, foi surpreendente. Vi também as vitórias da jovem Kornelia Ender e Rolan Matthews ambos considerados os melhores do mundo na época, recordistas mundiais da Alemanha oriental. Para coroar, a Seleção ficou no mesmo hotel do que os alemães”.
Outra competição marcante para o treinador foi o Mundial Universitário na década de 1970, em que os participantes do 4x100m livre conquistaram a medalha de bronze. “Dentre os quatro participantes, três eram meus atletas, foi muito emocionante”.
Ser um técnico de natação requer fôlego, literalmente. A rotina é cansativa e a dedicação à natação deve ser de 100%. “Eu tenho saudade, mas é muito cansativo. Você não tem final de semana, vira psicólogo e amigo, além de professor”, comenta.
Depois de deixar o Náutico em 1982, ele foi até Suzano e reorganizou a natação da cidade, começando pela piscina. Logo após isso, voltou para Mogi ao assumir o cargo de Secretário de Esportes e Lazer da cidade, em que ficou por quase quatro anos. “Se fosse pra ser Secretário de novo eu pensaria melhor, a política hoje está mais complicada do que se imagina, a partir do momento que melhorar a política no Brasil, tudo melhora.”, falou.
Sobre a natação brasileira competitiva hoje no Brasil, o ex- técnico da Seleção Brasileira diz que falta estrutura e uma organização maior por parte do governo. “O Brasil tem muito talento, o que falta é a infraestrutura. Por ser um esporte de base, o governo e os pais devem incentivar a qualidade de cada um. Nos países de primeiro mundo elas (modalidades de base) fazem parte da formação e da cultura e isso interfere na formação da pessoa. Qualquer jovem que faça esporte hoje é diferenciado”, analisa.
Em relação à modalidade no passado, Fernando diz: “Hoje melhorou muito. Melhorou bastante, mas eu acho que embaixo ainda falta muita coisa. Nos EUA, por exemplo, toda escola tem uma quadra, uma piscina, e a família participa e incentiva isso. Isso vem da escola.”
Soraggi tem dois filhos. Sua filha Ana Gabriela seguiu o caminho do pai e é hoje técnica de natação nos Estados Unidos. Conhecida como “Coach Gabby” ela foi a primeira brasileira Head Coach de uma Universidade americana. E o filho, também com o seu nome, trabalha na área do turismo internacional e é o seu melhor amigo.
Com duas netas e mais uma por vir, ele tem planos para morar nos Estados Unidos. “Eu estou pensando na ideia de ir morar lá. Às vezes morar aqui desanima”, contou. Segundo ele, “Temos que pensar de baixo pra cima, o governo dá um incentivo aos grupos elitizados, para as confederações e para as federações; mas os grandes celeiros são os clubes”, disse.
Sobre a atual organização da natação brasileira, Soraggi diz: “Já alguns anos, devemos destacar o trabalho organizado e bem planejado pelo presidente da confederação brasileira de natação Coaracy Nunes Filho e o coordenador técnico Professor Ricardo Moura, incansáveis em todo esse sucesso de grandes resultados que a natação brasileira tem obtido nos grandes eventos internacionais; esperamos que continue assim”.
Fã de música e de bem com a vida, Fernando Soraggi continua em contato com alguns ex- atletas, eles sempre se reencontram para colocar as histórias em dia e relembrar os momentos de glória.
Pelos tantos anos de empenho pela natação, ele já foi homenageado pela Liga Aquática do Alto Tietê, com o chamado “Troféu Fernando Soraggi de Natação” e pelo 9º Encontro Nacional de Técnicos de Natação. Os eventos reverenciaram todo amor e paixão que ele tem pelo esporte, o deixando muito emocionado. “Ser homenageado em vida é algo diferente, eu fiquei muito feliz”, explicou.
Aos maiores admiradores do esporte, e principalmente da natação, Fernando Soraggi é a prova viva de que a dedicação é a palavra chave, não só para a modalidade, mas para a vida. O passado deve ser lembrado, reverenciado e difundido. Ao futuro, resta compartilhar as histórias, relembrando e principalmente aprendendo com elas. “A natação sempre esteve presente na minha vida” e tenha certeza Fernando, sua vida tornou a natação brasileira mais presente, mais vitoriosa e mais significante na vida de muitos outros.